4. As DPOs para a promoção e a tutela dos direitos humanos Objectivos de aprendizagem Os participantes devem adquirir um conhecimento básico sobre: - O papel das organizações de pessoas com deficiências nos processos de empowerment individual, social e de comunidade 4.1 Papel e valores das Organizações de pessoas com deficiências 4.1.1 Uma organização como voz das pessoas com deficiências O processo para modificar a interpretação da condição das pessoas com deficiências desenvolveu-se nos últimos trinta anos graças ao crescimento da consciência e da capacidade do movimento das pessoas com deficiências de representar as próprias necessidades e os próprios direitos. O processo foi rapidíssimo e transformou abordagens culturais, políticas, serviços sociais, solicitando soluções técnicas apropriadas. Este processo foi possível principalmente porque nasceram e cresceram as organizações de pessoas com deficiências e dos seus pais. De facto, criar uma própria organização, independente, unitária e capaz de representar todos os tipos de deficiências, representa um elemento importante para perseguir o objectivo da inclusão social. 4.1.2 Uma organização baseada nos direitos humanos As organizações de pessoas com deficiências e dos seus pais devem ser capazes de criar e desenvolver associações que saibam operar, mesmo internamente, na base dos princípios dos direitos humanos. Muitas organizações baseiam-se no protagonismo directo das pessoas com deficiências e dos seus familiares (no caso em que as pessoas com deficiências não possam se autorepresentar), garantindo-lhes uma maioria nos organismos dirigentes e entre os sócios. A democracia interna deve garantir: representação, respeito da igualdade de género e das minorias, participação directa das pessoas com deficiências, empowerment dos sócios e das pessoas com deficiências, capacidade de confronto com as instituições públicas e privadas, competência nos diversos sectores, circulação das informações, formas de tutela, formação e actualização dos líderes, atendimento das pessoas. Quanto mais a organização será capaz de fazer viver em seu seio os valores e os princípios dos direitos humanos, tanto mais será capaz de tutelar os direitos humanos em todas as iniciativas. Nos últimos anos estão a surgir Organizações “guarda-chuva” formadas por associações e/ou coordenações das mesmas, com o objectivo de unificar numa só voz a pletora de organizações que tutelam as pessoas com deficiências. O objectivo é o de se apresentar perante as instituições e as forças da sociedade civil com maior poder de confronto. Este caminho faz com que sejam superadas as formas corporativas de representação, enriquecendo a discussão e a capacidade de proposição. Torna-se então importante o trabalho de rede, tanto dentro quanto fora da organização, inclusive aquele de ligação com as redes internacionais. A própria Convenção produz um novo tipo de acção das organizações, porque a abordagem baseada nos direitos humanos é universal e inclui todas as diferentes condições de deficiência: cada líder de organização de pessoas com deficiências deverá ser competente em direitos humanos. 4.2 Empowerment das Organizações de pessoas com deficiências 4.2.1 Organização e democracia Construir uma organização de pessoas com deficiências e dos seus familiares significa basear-se em princípios de democracia e representação, a qual é feita de regras compartilhadas, transparência e equilíbrio de poderes. É importante que as próprias pessoas com deficiências sejam protagonistas da vida associativa e, se isto não for possível (por serem menores de idade ou por não terem condições de se autorepresentar), então que os pais sejam os seus representantes. Durante séculos outras pessoas falaram em nome delas, criando uma sociedade que os excluiu. Ao mesmo tempo, é igualmente importante assegurar a autonomia da organização em relação a partidos e instituições, garantindo a liberdade nas escolhas e decisões, sem vínculos impróprios. A tutela dos direitos humanos, de facto, pode estar em contradição com a gestão de serviços complexos, mas é compatível com os serviços informativos, formativos e de consultoria. Outro elemento importante é a definição de uma estrutura organizativa eficaz na acção, levando em conta também os níveis institucionais com os quais se confrontar (muitos Estados têm governos centrais, regionais, provinciais, municipais e, portanto, o confronto deve ser desenvolvido a todos os níveis). 4.2.2 Plano de acção Para que as intervenções sejam eficazes e para avaliar os resultados obtidos, é importante definir um Plano de acção da organização, identificando as prioridades de acção, os tempos de realização, as metodologias e os instrumentos através dos quais devem ser perseguidos os objectivos. O Plano de acção é definido com processos democráticos que envolvem os inscritos e, se possível, também os aliados. O Plano de acção é ainda um instrumento de sensibilização externa, de agregação social de forças que podem apoiar as batalhas dos portadores de deficiências e de envolvimento da sociedade civil. É importante associar o Plano de acção às estratégias do desenvolvimento geral do país, com especial atenção aos países em busca de desenvolvimento, aos PARPA elaborados com o objectivo de erradicar a pobreza. O Plano de acção será mais eficaz se vinculado também aos objectivos dos ODM. 4.2.3 Actividade de arrecadação de fundos Para garantir a autonomia e a independência da organização é necessário desenvolver uma acção competente e ética de arrecadação de fundos e de sustentabilidade das iniciativas. Neste sentido, para além do tradicional apoio das cotas sociais dos inscritos, a organização deve ser capaz de elaborar projectos e programas de intervenção, usufruindo de financiamentos públicos e privados. 4.2.4 Estratégia de desenvolvimento da organização A organização deve se dotar dos instrumentos para monitorizar e avaliar as suas capacidades. Deve ter a capacidade de identificando os pontos de força e os de fraqueza, e de se dotar de uma estratégia de reforço e de desenvolvimento da organização e das propostas. É útil desenvolver uma análise SWOT da organização envolvida no curso. A estratégia de desenvolvimento será mais eficaz, de facto, se será capaz de valorizar os pontos de força da organização e enfrentar os pontos de fraqueza. Quanto mais a organização perceber a si mesma como um organismo unitário capaz de crescer e se adaptar às novas exigências, tanto mais a sua acção será eficaz e consciente. 4.2.5 Monitorização das actividades Para tornar eficaz o trabalho de realização do Plano de acção e das actividades da organização, é importante construir formas de monitorização interna do estado de avançamento do Plano e das acções, dos instrumentos e das metodologias escolhidas para sustentá-lo. Ter objectivos claros torna mais fácil a acção de monitorização. A monitorização será realizada levando em conta a forma de organização da associação, os conteúdos do Plano de acção, o funcionamento concreto da organização, os instrumentos disponíveis e as metodologias de trabalho nacional e local. Para que isto se realize é preciso informar a associação, a todos os níveis, sobre as actividades de monitorização através de relatórios periódicos, conferências da organização, pesquisas internas, indicadores de eficácia. 4.2.6 Networking e informação Uma actividade essencial para permitir à organização de intervir tempestivamente e de forma apropriada em todas as áreas de acção, é a criação de um bom trabalho de rede e de troca de informações. Trabalhar em rede não é só um novo campo de acção, mas um terreno estratégico para reforçar as organizações de pessoas com deficiências e os seus familiares. O trabalho em rede, de facto, permite activar todos os recursos disponíveis e torná-los eficazes para a tutela dos direitos humanos. É importante encontrar formas de animação contínua da rede de referência, tanto dentro quanto fora da organização. A circulação e a difusão das informações é um instrumento de trabalho importante nesta direcção. Construir um sistema informativo capaz de arrecadar informações sobre a tutela dos direitos humanos a nível nacional e local e sabe-las difundir entre os sócios e os beneficiários, é um instrumento de trabalho essencial. A animação da rede deve favorecer a participação directa de toda a organização, suscitando e estimulando os membros a se tornarem activos e competentes no território onde operam. É igualmente importante manter-se actualizados sobre o que acontece a nível internacional, criando conexões com as redes de organizações internacionais. É essencial, portanto, formar pessoas no conhecimento das línguas e dotar-se de instrumentos de comunicação e de trabalho adequados. 4.2.7 Formação e actualização Outro elemento importante é a criação de momentos de formação e de actualização contínua dos sócios e dos líderes associativos. De facto, fazer conhecer os direitos e as oportunidades da sua tutela e promoção, sempre em evolução, as boas práticas e os projectos inovadores, as novas normativas, representa uma garantia da eficácia das intervenções da organização. A formação e a actualização naturalmente devem mirados e coordenados com o sistema de monitorização, com o Plano de acção, com as políticas de desenvolvimento da organização. 4.3 Empowerment das pessoas com deficiências 4.3.1 O conceito de empowerment Existem diferentes interpretações da palavra empowerment, no âmbito liberal e nas ciências sociais. A palavra empowerment em inglês tem dois significados: reforço das capacidades e aquisição de poder. O empobrecimento social ao qual foram submetidas as pessoas com deficiências deve ser contrabalançado com acções e intervenções capazes de oferecer crescimento individual de consciência e de capacidade, reaquisição de um espaço social e político reconhecido, aquisição de um poder de confronto e de proposta em relação às instituições. O empowerment pode ser individual ou social (ou de comunidade). 4.3.2 As acções de empowerment individual 4.3.2.1 Advocacy A advocacy é a típica acção de empowerment individual para informar e orientar as pessoas com deficiências e defender os seus direitos. A advocacy é realizada através de serviços como o balcão informativo, a criação de grupos de peritos em diversas áreas temáticas para a defesa dos direitos de pessoas vítimas de violação dos direitos humanos, colégios de advogados peritos em matéria legal sobre deficiências para suportar recursos judiciários, etc. A advocacy requer a presença de peritos das diferentes áreas que conheçam a matéria de competência e saibam oferecer às pessoas com deficiências informações, instrumentos de tutela, ligações com os recursos territoriais capazes de defender o desfrute dos direitos. A acção de advocacy deve estar estritamente ligada a outras acções de empowerment individual e social. 4.3.2.2 Networking O trabalho em rede é um instrumento de trabalho que se coloca entre o empowerment individual e o social. De facto nasceu como uma ligação entre os diferentes actores interessados às mesmas áreas temáticas de acção e conhecimento, mas transformou-se progressivamente num instrumento que, se adequadamente utilizado, é um forte impulso para o crescimento da organização, o desenvolvimento de actividades conjuntas, a valorização dos recursos individuais e a rede. O envio tempestivo de informações, a troca de experiências e de boas práticas, a valorização das competências presentes na rede, a capacidade de trabalhar em comum, são os aspectos mais importantes do trabalho em rede. É cada vez mais necessário, neste âmbito, formar figuras especializadas na animação e desenvolvimento das capacidades e competências de rede constantemente actualizadas. 4.3.2.3 Peer counselling A acção de conscientização da própria condição pode ser desenvolvida quase exclusivamente através das pessoas com deficiências. Portanto, pessoas com deficiências adequadamente formadas e incluídas na sociedade, mais cientes, podem suportar o percurso de conscientização de outras pessoas com deficiências: esta actividade é definida “peer counselling” e tornou-se um instrumento de acção essencial e um verdadeiro trabalho político e técnico. De facto, são centrais, nas actividades de empowerment os consultores pares (peer counsellor): pessoas com deficiências que suportam outras pessoas com deficiências nos percursos de autonomia e autodeterminação. As referências teóricas já se encontram na psicologia humanista e em particular na "terapia centrada na pessoa" de Rogers e Carkhuff. Estes autores identificam a auto-ajuda entre pares como um instrumento de trabalho muito eficaz. Por “pares” entendem alguém que se encontra na mesma situação, que tem a mesma idade, cultura, background ou que teve a mesma experiência de vida. No caso das pessoas com deficiências, um “par” é alguém que tem deficiências. O peer counselling nasceu nos Estados Unidos, difundindo-se antes na Europa e sucessivamente em outras partes do mundo, adaptando-se às diferentes culturas e situações. Muitas organizações de pessoas com deficiências desenvolveram competências neste campo, produzindo livros e manuais. O art. 26 da Convenção reconhece “rastros de apoio mútuo”. 4.4 Empowerment social ou das comunidades 4.4.1 A reabilitação com base comunitária A estratégia RBC foi concebida e promovida pela OMS e por outras Agências da ONU nos primeiros anos da década de ’80, para a reabilitação das pessoas com deficiências nos Países em via de desenvolvimento que não têm acesso aos serviços; estes Países têm recursos limitados e não podem garantir serviços institucionais de alta qualidade, optou-se, portanto favorecer o desenvolvimento de um método que pudesse assegurar uma ampla cobertura das necessidades com custos reduzidos. Tendo nascido dentro da OMS sua conotação era estritamente ligada à saúde; a OMS havia recomendado a introdução da RBC na Saúde Básica e focava as actividade na recuperação das capacidades funcionais, de maneira que os indivíduos com deficiências pudessem ser incluídos na própria comunidade. A RBC nascera logo após a Declaração de Alma Ata de 1978 que alterou radicalmente o conceito de doença e saúde, salientando a importância da participação do indivíduo e da comunidade nas políticas e na realização das actividades concernentes a saúde. A OMS tem uma visão mais ampla do conceito de saúde, que não é a simples ausência de doenças. Consequentemente, a estratégia RBC encontrou-se com o novo conceito de Reabilitação, que não se limitava apenas à reabilitação médica. O novo conceito de reabilitação mostrava a importância da coordenação dos aspectos médicos, sociais, educativos, inerentes à formação profissional para a optimização das capacidades da pessoa com deficiência dentro da comunidade. Actualmente, a RBC coloca-se como uma estratégia de desenvolvimento baseada no respeito dos direitos humanos, que considera o indivíduo na sua totalidade e complexidade para o alcance das iguais oportunidades e da plena participação das pessoas com deficiências na própria família, comunidade e sociedade. “O Objectivo principal da RBC é o de assegurar às pessoas com deficiências a possibilidade de desfrutar ao máximo as próprias capacidades físicas e intelectuais, garantindo-lhes iguais oportunidades e acesso aos serviços regulares, com a finalidade de realizar uma completa integração social, tanto dentro da própria comunidade quanto na sociedade (…). A RBC é reconhecida como uma abordagem completa que abrange a prevenção da deficiência e a reabilitação em actividades de tratamento primário, a integração da criança com deficiências nas escolas normais e a preparação das oportunidades para as actividades económicas e de proveito para os adultos com deficiências” (Joint Position Paper, OMS, ILO, UNESCO, 2004) 4.4.2 A construção de campanhas de sensibilização Para alterar a visão negativa que a sociedade construiu sobre as pessoas com deficiências, podem ser organizadas campanhas de sensibilização sobre temáticas gerais e/ou específicas. Tais campanhas devem ser baseadas em mensagens simples e eficazes para alterar os preconceitos e estereótipos. Elas devem identificar os destinatários aos quais se deseja dirigir a campanha, e escolher então os instrumentos mais idóneos a serem utilizados, levando em conta os recursos disponíveis e as metodologias mais apropriadas. Dentro das campanhas, alguns eventos especiais (meeting, concertos, congressos) podem ampliar a atenção da opinião pública e dos mídia. É útil apresentar alguns exemplos de campanhas. 4.4.3 Acções de lobbying Importantes instrumentos de trabalho, ligados a objectivos exactos, são as acções de lobbying, através das quais se atingem objectivos concretos. Lobby é aquela actividade organizada que produz acções de pressão dirigidas a pessoas influentes, instituições públicas e privadas, decisórios políticos e sociais. As acções de lobbying baseiam-se numa análise dos processos decisórios sobre temas e objectivos que interessam a organização, com a finalidade de construir iniciativas e acções concretas (encontros, apresentação de documentos, participação em transmissões televisivas e radiofónicas, etc.) para influenciar quem tem o poder de tomar decisões, oferecendo-lhe conselhos na direcção desejada pela organização. As actividades de lobbying utilizam também o instrumento das campanhas de sensibilização. 4.4.4 O uso dos mídia Nas últimas décadas tornou-se particularmente importante a capacidade de utilizar os mídia (jornais e revistas, televisão, rádio), que representam o instrumento de informação e comunicação que alcança directamente milhões de pessoas, influenciando a opinião pública. Para obter este resultado é necessário construir uma visibilidade através de acções significativas (manifestações, campanhas de sensibilização, congressos e seminários, eventos especiais, etc.) e saber influenciar os que trabalham neste sector. Cada mídia tem a sua própria linguagem, que é necessário dominar para conseguir ser eficaz. Escrever uma comunicação para a imprensa ou um artigo é, de facto, diferente que participar a uma programa de televisão ou dar uma entrevista. É fundamental criar uma agenda de pessoas de referência que trabalham neste sector e que sejam competentes no assunto. Tendo os recursos, é importante ter um próprio responsável de imprensa. 4.5 A estratégia dos direitos humanos das pessoas com deficiências como contribuição para a construção de sociedades inclusivas A contribuição da acção cultural e social do movimento das pessoas com deficiências não se limita apenas à aplicação do paradigma dos direitos humanos àquele 10% da população mundial que vive uma deficiência. A contribuição é muito mais conspícua, pois amplia e enriquece o conceito individualista dos direitos humanos, centrado tradicionalmente nos direitos inalienáveis de cada pessoa, rumo a uma perspectiva que envolve a responsabilidade das sociedades para garantir a inclusão social de todos os cidadãos, não importa qual seja a diversidade vivida. A tutela dos direitos humanos liga-se assim não só ao direito das liberdades individuais, mas também à construção cultural e social de sociedades inclusivas, onde preconceitos e barreiras sejam eliminados e onde cada um possa viver sem que as suas características pessoais impliquem no estigma social, jurídico e prático. Abre-se assim um novo campo de acção cultural e político que envolve a sociedade no seu conjunto: a maneira de incluir as diversidades humanas dentro da sociedade e dentro dos modelos de desenvolvimento económico e social. O tema específico da reformulação da visão cultural e social da deficiência também se torna assim um exemplo paradigmático para o confronto com mitos e ideologias que se tornaram de senso comum, construídos em práticas seculares de segregação e exclusão já hoje inaceitáveis. O novo universo social a ser reconstruído deve basear-se, então, numa abordagem universal da construção de ambientes, bens e serviços, na condição de iguais oportunidades para todos os cidadãos, na eliminação de todas as formas de discriminação, seja qual for a sua natureza. É uma contribuição extraordinária que conjuga os direitos humanos tanto no campo individual quanto naquele social, atribuindo responsabilidades de acções e comportamentos às pessoas e às instituições.