3. A Convenção das Nações Unidas para os direitos das pessoas com deficiências Objectivos de aprendizagem Os participantes deverão adquirir um conhecimento básico sobre: - O texto da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiências - As principais noções de tutela legal e de apoio às políticas sobre a deficiência - O processo de ratificação, monitorização e implementação da Convenção 3.1 A estrutura, os princípios e as obrigações da Convenção 3.1.1 História da Convenção Já em 1987 e em 1989 a Itália e a Suécia haviam apresentado uma proposta de convenção que foi reprovada pelas Nações Unidas. Após a aprovação por parte da conferência das Nações Unidas de um documento contra o racismo de Durban (África do Sul), em Setembro de 2001, o México apresentou uma Resolução aprovada pela Assembleia Geral (Resolução 56/168 de 19 de Dezembro de 2001) para formar um Comité Ad Hoc que verificasse a necessidade de definir uma Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiências. Na 3ª sessão do CAH (Junho de 2003) foi decidido que era necessário escrever a Convenção e foi encarregado um grupo de trabalho para a redacção do primeiro texto (Fevereiro de 2004). Na 6ª sessão do CAH (Agosto de 2005) o presidente comprometeu-se a redigir um texto com o resumo da discussão tida até então (Outubro de 2005). Na 7ª e 8ª sessões foi negociado e aprovado o texto (25 de Agosto de 2006), que se tornou o texto final aprovado pela Assembleia Geral no dia 13 de Dezembro de 2006. Foi a Convenção das Nações Unidas aprovada no menor tempo e com a maior participação da sociedade civil: em todo o processo de escrita e negociação a Internazional Disability Caucus (que reunia cerca de 70 organizações de pessoas com deficiências e os seus familiares) teve um papel importante, e algumas vezes decisivo, mobilizando energias do mundo inteiro. A sessão de Agosto de 2006 foi presenciada por 800 representantes de organizações não governamentais, enquanto entre as delegações oficiais dos governos, bem 50 delas incluíam entre os peritos pessoas com deficiências. 3.1.2 Descrição da estrutura da Convenção A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiências tem um preâmbulo no qual constam as motivações, as referências os documentos e as considerações gerais que inspiraram o texto da Convenção, com os seus 50 artigos entre os quais de distinguem: os princípios e as normas gerais que se aplicam a todos os artigos (artigos 1 - 7); as normas específicas que tratam de áreas especiais (artigos 9-32); o sistema de monitorização nacional (art. 33) e internacional, com a constituição e regulamentação do Comité internacional (artigos 34-40); os procedimentos que entraram em vigor e o sistema de actualização (35-50). Associado à Convenção há o protocolo facultativo, abrangendo os recursos individuais (artigos 1-8) e as pesquisas do Comité internacional (art. 6). 3.1.3 Os objectivos, as definições e os princípios da Convenção (artigos 1 e 3) Os primeiros três artigos da Convenção descrevem os objectivos (art. 1), as definições essenciais (art. 2) e os princípios (art. 3) sobre os quais se funda toda a estrutura. É importante coligar estes artigos com a abordagem baseada nos direitos humanos (Ver capítulo 2). Outro tanto significativo é considerar, na ilustração dos elementos, a motivação e o esclarecimento presentes no preâmbulo. Vista a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais, é importante levá-lo em conta em cada parte da ilustração dos conteúdos da Convenção. E ainda, considerando a natureza peculiar da discriminação e da não igualdade de oportunidades a que estão sujeitas as pessoas com deficiências, a responsabilidade do Estado em propiciar a todos os cidadãos portadores de deficiências um tratamento igual ao das demais pessoas, pode surtir efeitos tanto no caso individual (a ser tutelado de qualquer forma), quanto nos comportamentos e barreiras que investem toda a sociedade . 3.1.4 Obrigações dos Estados (art. 4) O art. 4 enumera e define as obrigações assumidas pelos Estados que ratificam a Convenção. Estes compromissos representam um quadro essencial de referência a ser associado a cada direito específico. Salienta-se no parágrafo 2 que, apesar da Convenção ser aplicada progressivamente aos direitos económicos e sociais, sem prejuízo dos direitos reconhecidos, “que são imediatamente aplicáveis em conformidade com o direito internacional”, isto significa que em todo caso as pessoas individuais não devem ser discriminadas e são protegidas pela Convenção. É importante o reconhecimento do papel das organizações de pessoas com deficiências “na elaboração e na actuação da legislação e das políticas a serem adoptadas para actuar a (…) Convenção, assim como nos outros processos decisórios relativos às questões atinentes às pessoas com deficiências”. 3.1.5 O conhecimento das outras Convenções das Nações Unidas A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiências foi escrita a partir do princípio de reconhecimento dos direitos já presentes nas precedentes Convenções das Nações Unidas, e não de introdução de novos direitos. Isto significa que na interpretação do texto é importante levar em conta também o texto das outras Convenções. 3.2 Os direitos reconhecidos e as modalidades de exigibilidade 3.2.1 Igualdade de tratamento e não discriminação (art. 5) A Convenção reconhece que “todas as pessoas são iguais perante a lei e fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual protecção e igual benefício da lei”. Os Estados Partes deverão proibir qualquer discriminação por motivo de deficiência e garantir às pessoas com deficiência igual e efectiva protecção legal contra a discriminação por qualquer motivo”. Por “Discriminação por motivos de deficiência” entende-se qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada na deficiência, com o propósito ou o efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute e o exercício em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais nas esferas política, económica, social, cultural, civil ou qualquer outra. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de acomodação razoável” (art. 2). Do ponto de vista legal, “discriminar” significa diferenciar ou tratar de maneira diferente as pessoas, mesmo não existindo uma diferença relevante entre duas pessoas, ou agir de maneira idêntica em situações que são, na realidade, diferentes. É importante compreender como efectuar a comparação entre uma pessoa com deficiência e outra pessoa, para fazer emergir o tratamento discriminatório. A discriminação pode ser directa ou indirecta. A discriminação é directa quando uma pessoa , devido à deficiência, é tratada de maneira menos favorável de quanto é, foi ou seria tratada outra pessoa numa situação análoga. A discriminação é indirecta quando uma disposição, um critério ou uma prática, aparentemente neutrais, podem criar uma situação particularmente desfavorável para a pessoas com deficiências em relação às demais pessoas. É importante fornecer exemplos adequados e facilmente compreensíveis na realidade do país em que se efectua o curso. 3.2.2 Acomodação razoável (art. 5) A Convenção prevê que “com a finalidade de promover a igualdade e eliminar as discriminações, os Estados ”Partes“ tomem todas as providências apropriadas, para garantir que sejam fornecidas “acomodações razoáveis” às vítimas de violação de direitos humanos reconhecidos na própria Convenção. Por “acomodação razoável” se entendem as alterações e as adaptações necessárias e adequadas que não comportem um ónus desproporcional ou excessivo; adoptados, quando necessário em casos particulares, para garantir às pessoas com deficiências o desfrute e o exercício, com base na igualdade com os outros, de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais (art. 2). O conceito de acomodação razoável varia de país para país, segundo os elementos culturais, o sistema de protecção legal, as políticas de tutela dos direitos e a legislação em vigor. A interpretação da palavra “razoável”, de facto, é afectada por outros factores culturais e materiais (por exemplo: qual tipo de intervenção é considerada razoável num país para uma pessoa com deficiência?), o mesmo diga-se do conceito de “ónus desproporcional ou excessivo” (depende da riqueza do país, dos recursos disponíveis e que podem, portanto, ser investidos e do nível de reconhecimento dos direitos); assim é também para a interpretação da palavra “acomodação”, que pode variar conforme as tecnologias disponíveis. Cabe em todo caso lembrar que, com base no art. 4, parágrafo 2 da Convenção (ver ponto 3.1.3), a falta de recursos financeiros não pode prejudicar os direitos reconhecidos “e imediatamente aplicáveis em conformidade com o direito internacional”. “A recusa de uma acomodação razoável” é considerada, ainda, uma discriminação (art. 2). 3.2.3 Reconhecimento dos direitos presentes em outras Convenções (artigos 10, 13-18, 29-30) Existem na Convenção muitos artigos que reconhecem direitos já reconhecidos em outras Convenções das Nações Unidas, introduzindo, porém, modalidades de acesso e de desfruto apropriadas. Na ilustração destes artigos serão consideradas também outras Convenções. 3.2.4 Novos direitos: Acessibilidade, Vida independente, Mobilidade pessoal A Convenção introduz uma tutela sobre direitos que podem ser reconhecidos somente às pessoas com deficiências, como a possibilidade de acesso (art. 9), a vida independente (art. 19), a mobilidade pessoal (art. 20). Isto significa que, na realidade, foram reconhecidas novas formas de tutela legal vinculadas à peculiar natureza da discriminação e à ausência de igualdade de oportunidades em relação às pessoas com deficiências. É importante, em particular, a superação das práticas que levam a residências institucionais (art. 19) a serem correlacionadas também com o direito de não sofrer torturas, penas ou tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes (art. 15). 3.3 Análise dos artigos 3.3.1 Artigos estruturais que explicitam as obrigações e as tutelas (artigos 1-5) É importante transmitir que a leitura e a interpretação da Convenção baseia-se na compreensão dos artigos que podemos definir estruturais, a serem utilizados como base das explicações e da interpretação das obrigações e das tutelas fundamentais dos direitos reconhecidos em cada artigo. Estes artigos, portanto, devem ser sempre considerados na inteira exposição dos conteúdos da Convenção. 3.3.2 Áreas temáticas A Convenção trata de uma série de direitos que podem ser resumidos com base nas seguintes áreas temáticas: 3.3.2.1 Discriminação múltipla (artigos 6 e 7) A Convenção dedica uma tutela especial às pessoas com deficiências sujeitas a maiores riscos de discriminação, como as mulheres (art. 6) e as crianças (art. 7). Os dois artigos devem portanto serem utilizados como instrumentos legais que reforçam a tutela de crianças e mulheres com deficiências em todos os artigos da Convenção. E ainda, existindo tanto a Convenção sobre os direitos da criança, quanto a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, estes artigos interagem com tudo quanto contido nas acima mencionadas Convenções. Em particular, são reforçados os princípios de inclusão e de mainstreaming das intervenções e das políticas dirigidas às crianças com deficiências, que a Convenção de 1989 relegava apenas ao art. 23, com uma lógica ainda centralizada nas intervenções especiais. Para a tutela dos direitos das crianças com deficiências, cabe considerar também os parágrafos 3, 4 e 5 do art. 23 (Respeito do domicílio e da família ). 3.3.2.2 Acesso físico e Universal design (art. 9, 18-21) A Convenção obriga os Estados Partes a “tomar as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiências o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ou propiciados ao público, tanto na zona urbana como na rural”, para “consentir às pessoas com deficiências uma vida independente e a plena participação em todos os aspectos da vida”. O artigo deve ser associado ao artigo 19 (Vida independente e inclusão na comunidade) e ao artigo 20 (Mobilidade pessoal), assim como aos artigos 18 (Liberdade de movimento e cidadania) e 21 (Liberdade de expressão e opinião e acesso à informação). 3.3.2.3 Acesso aos direitos e aos serviços sociais (art. 24-28) 3.3.2.3.1 Educação (art. 24) A Convenção obriga os Estados Partes a reconhecer “o direito das pessoas com deficiências à educação”, “sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades” e a assegurar “um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida” no sistema educativo ordinário. São importantes os objectivos da educação: “o pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana”; “O desenvolvimento (...) da própria personalidade, dos talentos e da criatividade, assim como das suas habilidades físicas e intelectuais, até as suas máximas potencialidades”; “criar condições para a participação efectiva das pessoas com deficiências numa sociedade livre”. 3.3.2.3.2 Saúde (art. 25) A Convenção reafirma que “têm o direito de usufruir o padrão mais elevado possível de saúde, sem discriminação baseada na deficiência.” e obriga os Estados Partes a “tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o acesso de pessoas com deficiência a serviços de saúde sensíveis às questões de género”. Os Estados Partes deverão “Estender a pessoas com deficiência a mesma amplitude, qualidade e padrão de programas e cuidados de saúde gratuitos ou acessíveis a que as demais pessoas têm acesso”, “Propiciar aqueles serviços de saúde que as pessoas com deficiência necessitam especificamente por causa de sua deficiência”, “Propiciar estes serviços de saúde em locais o mais próximo possível de onde vivem tais pessoas, inclusive na zona rural”. 3.3.2.3.3 Habilitação e Reabilitação (art. 26) A Convenção obriga os Estados Partes a adoptar “medidas efectivas e apropriadas, inclusive mediante apoio dos pares, para possibilitar que as pessoas com deficiência conquistem e conservem o máximo de autonomia e plena capacidade física, intelectual, social e profissional, bem como plena inclusão e participação em todos os aspectos da vida.”. Para tanto deverão organizar, fortalecer e estender “serviços e programas completos de habilitação e reabilitação, particularmente nas áreas de saúde, emprego, educação e serviços sociais”. A habilitação e a reabilitação devem ter “início na fase mais precoce possível” e ser “baseados numa avaliação multidisciplinar das necessidades e pontos fortes de cada pessoa”; facilitar “a participação e a inclusão na comunidade e em todos os aspectos da sociedade” e devem ser “oferecidos voluntariamente e disponibilizados às pessoas com deficiência o mais próximo possível de suas comunidades, inclusive na zona rural”. 3.3.2.3.4 Trabalho e Emprego (art. 27) A Convenção obriga os Estados Partes a reconhecer “o direito das pessoas com deficiências de trabalhar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Incluindo “o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceito no mercado laboral em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência”. Os Estados Partes “deverão salvaguardar e promover a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adoptando medidas apropriadas”. 3.3.2.3.5 Padrão de vida e Protecção social adequados (art. 28) A Convenção obriga os Estados Partes a reconhecer “o direito a um padrão adequado de vida para si e para as suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria constante de suas condições de vida, e deverão tomar as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização deste direito sem discriminação baseada na deficiência”. Os Estados Partes deverão assegurar “igual acesso a serviços de água limpa e (...) acesso aos apropriados serviços, dispositivos e outros atendimentos para as necessidades relacionadas com a deficiência”; “acesso (...) a programas de protecção social e de redução da pobreza; “acesso à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência (...), a programas habitacionais públicos, (...) a programas e benefícios de aposentadoria”. 3.3.2.4 A tutela da privacidade (19, 22-23) Partindo do direito à vida independente e à inclusão social (art. 19) os Estados Partes reconhecem que “Nenhuma pessoa com deficiência, (...) deverá ser sujeita a interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, domicílio ou correspondência ou outros tipos de comunicação, nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação”. O art. 23 reconhece “o direito (...) de casar-se e estabelecer família”, “de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos”, “de conservar a sua fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas”. 3.3.2.5 Direitos retomados de outras Convenções (10, 13-18, 29- 30) O direito à vida (art. 10), o acesso à justiça (art. 13), a liberdade e a segurança da pessoa (art. 14), o direito de prevenção contra a tortura ou os tratamentos ou as penas cruéis, inumanas ou degradantes (art. 15), o direito à prevenção contra exploração, violência e abuso. (art. 16), a protecção da integridade da pessoa (art. 17), a liberdade de movimentação e cidadania (art. 18), a participação na vida política e pública (art. 29) e participação na vida cultural e em recreação, lazer e desporto (art. 30) são direitos retomados de outras Convenções, mas finalmente atribuídos também às pessoas com deficiência. 3.3.2.6 Artigos de sistema (8, 12, 31) A Convenção identifica alguma áreas cujo papel é essencial no apoio à mudança de abordagem da condição das pessoas com deficiências e para permitir de transformar o estigma social negativo a elas atribuído. 3.3.2.6.1 Conscientização (art. 8) Um instrumento essencial de transformação é o crescimento da consciência da sociedade em relação à condição de discriminação e falta de iguais oportunidades das pessoas com deficiências. A Convenção obriga os Estados Partes a “adoptar medidas imediatas, eficazes e apropriadas com a finalidade de sensibilizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência; Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas (...) promover a consciência sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência”. Para facilitar esta tomada de consciência, é essencial o papel dos mídia, as campanhas de sensibilização e a correcta e precoce informação das crianças sobre a condição das pessoas com deficiências. 3.3.2.6.2 Reconhecimento igual perante a lei (art. 12) A Convenção introduz uma profunda inovação também no campo da tutela legal das pessoas que não podem se autorepresentar. De facto, obriga os Estados Partes a tutelar de modo igual perante a lei todas as pessoas, garantindo-lhes um acompanhamento neste direito que deverá ser vinculado ao respeito dos direitos humanos. Isto significa que cada tratamento de pessoas não capazes de se autorepresentar não poderá violar as normas contidas na Convenção e a legislação internacional sobre os direitos humanos. Isto implicará numa mudança progressiva dos serviços e tratamentos que deverão superar, por exemplo, práticas de residência institucional, formas de tutela de direitos limitadas apenas aos patrimónios e irá introduzir uma nova atenção à qualidade de vida destas pessoas. O mesmo vale também para as pessoas que se encontram na impossibilidade temporária de se autorepresentar, como as pessoas sujeitada a tratamento psiquiátrico obrigatório. 3.3.2.6.3 Estatísticas e colecta de dados (art. 31) A colecta de estatísticas e dados ligados aos objectivos da Convenção contribui a fazer emergir uma diferente visão da condição das pessoas com deficiências. A Convenção obriga os Estados Partes a colectar dados apropriados, inclusive estatísticos e de pesquisas, para que possam formular e implementar políticas destinadas a dar efeito à (...) Convenção”. É importante definir uma nova metodologia de colecta e organização dos dados baseada no levantamento das discriminações e na falta de igualdade de oportunidades no acesso aos bens, serviços e direitos. De facto, “As informações colectadas (...) serão desagregadas de maneira apropriada e utilizadas para avaliar o cumprimento das obrigações contratadas pelos Estados Partes (...) e para identificar e eliminar as barreiras encontradas pelas pessoas com deficiência ao exercício de seus direitos.” É outro tanto importante vincular a elaboração e a avaliação destes dados à monitorização da Convenção e ao desenvolvimento de políticas dirigidas às pessoas com deficiências. É oportuna a promoção de pesquisas e estudos para remarcar que as pessoas com deficiências devem poder usufruir das intervenções de cooperação no desenvolvimento e de erradicação da pobreza. 3.3.2.7 Cooperação internacional e emergências (art. 11 e 32) Particularmente importante é o compromisso dos Estados Partes dos países ricos em utilizar os recursos para a cooperação internacional para promover os direitos humanos das pessoas com deficiências. A nível internacional fala-se de abordagem em duplo binário (twin track approach), aumentando os recursos destinados às pessoas com deficiências e inserindo o tema da deficiências em todos os projectos e programas de cooperação internacional. O art. 32 da Convenção, de facto, obriga os Estados a “fazer com que a cooperação internacional, inclusive os programas internacionais de desenvolvimento, seja inclusiva e acessível a pessoas com deficiência; Facilitar e apoiar o desenvolvimento (...); Facilitar a cooperação em pesquisa e acesso a conhecimentos científicos e técnicos; (...) inclusive mediante facilitações na compra e compartilhamento de tecnologias de acesso e de assistência e operando transferências de tecnologias”. (art. 32). Os Estados Partes deverão ” assegurar a protecção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais” (art. 11). Todas estas medidas de cooperação deverão ser realizadas “em parceria com organizações internacionais e regionais relevantes e com a sociedade civil, e, em particular, com organizações de pessoas com deficiência.” (art. 32). 3.4 Ratificação, monitorização e implementação 3.4.1 Processo de ratificação No dia 3 de Maio de 2008 a Convenção entrou em vigor, sendo ratificada por 20 países, assim como o Protocolo facultativo para o qual bastava a ratificação de 10 países. A ratificação prevê a assinatura da Convenção e do Protocolo facultativo e um percurso institucional de aprovação de uma lei nacional, conforme o sistema institucional de cada país, que assuma a Convenção, verificando a congruência com a legislação nacional e modificando-a caso se revele contraditória. A Convenção reconhece a competência, em matéria de ratificação, também às Organizações de integração regional, como as Comunidades europeias (art. 44). 3.4.1.1 Os sistemas de monitorização nacionais (art. 33) A Convenção obriga os Estados Partes a criar um sistema de monitorização das políticas sobre a deficiências designando “um ou vários pontos de contacto” e “criar ou identificar, no seio da própria administração, uma estrutura de coordenação encarregada de facilitar as acções ligadas à actuação da (...) Convenção nos diferentes sectores e em diferentes níveis”. Um sistema de monitorização baseado na colecta de dados (ver 3.3.2.6.3) relativa à aplicação da Convenção, permite comprometer mais directamente o Estado na criação de um Plano de acção sobre as deficiências, instrumento essencial para apoiar as políticas sobre as deficiências. Este plano de acção deveria ser ligado aos planos de desenvolvimento nacional ou ao PARPA. Neste caso também “as pessoas com deficiências e as suas organizações representativas”, são “associadas e participam plenamente ao processo de monitorização”. 3.4.1.2 Os relatórios nacionais (artigos 35-36) A Convenção obriga os Estados Partes a apresentar às Nações Unidas “um relatório abrangente sobre as medidas adoptadas em cumprimento de suas obrigações (...) e sobre o progresso alcançado” no acolhimento dos direitos incluídos no texto da Convenção. Tais relatórios serão apresentados num prazo de dois anos desde a ratificação o primeiro, e num prazo de quatro anos todos os sucessivos. Os Estados Partes, na elaboração destes relatórios, “consultarão e envolverão activamente pessoas com deficiência, inclusive crianças, por intermédio das organizações que as representam.” (artigos 35 e 4, parágrafo 3). No caso em que as organizações das pessoas com deficiências não julguem completo o relatório do próprio governo, podem apresentar um relatório de integração próprio. 3.4.1.3 A monitorização internacional (artigos 34-40) A Convenção institui o Comité sobre os direitos das pessoas com deficiências com a tarefa de receber, examinar e formular sugestões e recomendações gerais aos relatórios nacionais sobre a aplicação da Convenção, definir as linhas guia aplicáveis ao conteúdo dos relatórios, assistir os Estados na correcta redacção dos relatórios e solicitar a intervenção de outras agências especializadas caso haja necessidade. Em caso de incumprimento dos Estados na apresentação dos relatórios, o Comité pode solicitar o país faltoso, inclusive examinar todos os outros relatórios provenientes daquele pais. O Comité apresenta a cada dois anos à Assembleia Geral e ao Conselho económico e social relatórios sobre a própria actividade, onde “pode formular sugestões e recomendações gerais” (art. 39). O movimento das pessoas com deficiências de um país, caso tenha peritos com experiência internacional sobre deficiência e direitos humanos, pode pedir ao governo de apresentar sua candidatura ao Comité internacional. 3.4.1.3.1 A reforma dos Treaty Body e o Conselho ONU dos direitos humanos Actualmente as Nações Unidas estão reformando o sistema de monitorização de todas as Convenções, para elaborar uma única estratégia de monitorização, e num próximo futuro é provável que haverá mudanças inclusive para o Comité internacional da Convenção sobre direitos das pessoas com deficiências. Importante em todos os casos é desenvolver o relacionamento entre os sistemas de monitorização internacional e o Conselho sobre direitos humanos da ONU (ver ponto 1.3.2.2). 3.4.2 A implementação 3.4.2.1 A Convenção e as políticas sobre deficiências O impacto da Convenção sobre as políticas da deficiência será importante para os países que têm legislações em matéria, bem como para aqueles que não têm ou têm uma legislação muito fraca. Na fase de ratificação da Convenção cada país deve examinar a legislação nacional em vigor para identificar a conformidade com as normas contidas na Convenção e, se for o caso, modifica-las. Esta é uma primeira oportunidade de confronto entre o governo e as instituições competentes com as Organizações das pessoas com deficiências, que devem ser envolvidas nesse processo (ver art. 4 parágrafo 3, ao ponto 3.1.3). Nas sucessivas fases de implementação este último principio é sempre valido, principalmente para as relatórios nacionais que os governos devem apresentar periodicamente ao Comité sobre direitos das pessoas com deficiências. Estes processos dão às organizações das pessoas com deficiências daquele país a possibilidade de solicitar o governo para que elabore um plano nacional sobre deficiência e para controlar que o mesmo seja aplicado. 3.4.2.2 Relação entre sistema de monitorização e políticas sobre a deficiência Uma ulterior oportunidade de pedir a definição de um plano nacional sobre deficiência está ligado a um sistema de monitorização nacional (ver ponto 3.4), que deveria definir as várias áreas de acção sobre as quais elaborar e verificar a eficácia e o progresso de políticas de respeito dos direitos humanos. É muito importante associar o sistema de monitorização, por exemplo, aos financiamentos internacionais ligados aos MDGs e, portanto, ao PARPA. Quanto mais a monitorização estiver associada às políticas de desenvolvimento nacionais e locais tanto mais será eficaz. É evidente que em todos os casos o elemento importante é o envolvimento na definição das políticas das organizações das pessoas com deficiências (ver ponto 3.1.4). 3.5 As oportunidade do protocolo facultativo 3.5.1 As comunicações individuais ou de grupo (protocolo artigos 1-8) O Protocolo facultativo contém ulteriores instrumentos de participação e de controlo, portanto sua ratificação deve ser fortemente apoiada. Muito significativo é o instrumento da comunicação individual ou de grupo enviada ao Comité internacional que encaminha um processo de verificação dos factos apresentados na comunicação, chegando até à censura do Estado faltoso. 3.5.2 As investigações (protocolo art. 6) Se as comunicações individuais ou de grupo resultam verdadeiras, o Comité internacional pode efectuar uma investigação no Estado faltoso. Esse instrumento pode tornar visível a nível nacional e internacional as condições reais das pessoas com deficiências daquele país. De facto, violar as normas de uma Convenção das Nações Unidas é considerado mais grave que violar as legislações nacionais, inclusive por causa da visibilidade internacional que a investigação produz.