2. A condição das pessoas com deficiências Objectivos de aprendizagem O participantes adquirirão um conhecimento básico sobre: - a nova imagem das pessoas com deficiências baseada no modelo direitos humanos - a história dos documentos internacionais ligados à ONU e as instituições internacionais competentes em matéria de deficiências e direitos humanos 2.1 As pessoas com deficiências e a estratégia dos direitos humanos 2.1.1 Breve historia da condição das pessoas com deficiências nos séculos Desde a antiguidade as pessoas com deficiências são consideradas de maneira negativa. Inspirando-se na historia e na cultura dos vários países e continentes é possível reconstruir as formas de tratamento que elas sofreram. Nesses últimos séculos essa visão negativa concretizou-se com tratamentos análogos em todos os países, baseados na segregação, em tratamentos diferentes justificados pelas condições de saúde, em modelos de intervenção que criaram tratamentos especiais, muitas vezes afastados da normal vida quotidiana: é o modelo médico que atribui à condição de limitação subjectiva, à doença, a condição de desvantagem das pessoas com deficiências. O modelo social, ao contrário, salienta que a deficiência é uma relação social e que as pessoas com deficiências sofrem as limitações e os prejuízos criados pela sociedade. O ICF da Organização mundial da saúde, que é o quando científico de referência em matéria, salienta que a deficiência depende da interacção de factores ambientais, sociais e pessoais. Quanto mais a sociedade inclui as características das pessoas e desenvolve suas capacidades tanto mais ela é capaz de remover barreiras, obstáculos e prejuízos. 2.1.1 Deficiências e direitos humanos A deficiência é um conceito em evolução. A abordagem baseada nos direitos humanos mostra que as pessoas com deficiências são cidadãos invisíveis, por causa da segregação e da exclusão social criada pela sociedade. Elas são discriminadas e não têm igualdade de oportunidades, são sujeitas a tratamentos diferenciados sem justificação em relação aos outros cidadãos, implicando numa contínua violação dos seus direitos humanos. A Convenção quer garantir e tutelar os direitos humanos das pessoas com deficiências, fazendo com que cada sector de competência institucional dos Estados que a ratificaram, se comprometa a intervir com políticas, legislações e recursos idóneos. 2.2 História das pessoas com deficiências nos documentos internacionais e regionais 2.2.1 As Nações Unidas e as pessoas com deficiências As Nações Unidas intervieram desde 1971 com documentos oficiais, acções e programas que interessam as pessoas com deficiências:  Declaração sobre os Direitos das pessoas com retardo mental (1971), aprovada pela Assembleia Geral da ONU com Resolução 2856 (XXVI) do dia 20 de Dezembro de 1971  Declaração sobre os Direitos das pessoas com deficiências, aprovada com Resolução 3447 (XXX) do dia 9 de Dezembro de 1975  Declaração sobre os Direitos das pessoas surdas-cegas, aprovada com Decisão 1979/24 do Conselho económico e social do dia 9 de Maio de 1979  Ano internacional das pessoas com deficiências (1981), aprovado pela Assembleia Geral com Resolução 31/123 do dia 16 de Dezembro de 1976  Programa de acção mundial relativo às pessoas com deficiências (1983-1992), adoptado pela Assembleia Geral no dia 3 de Dezembro de 1982  Declaração sobre direitos humanos de 25 de Julho de 1993 no final da Conferência de Viena (157/23) O processo de reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiências culmina com as Regras Padrão pela igualdade das oportunidade das pessoas com deficiências, adoptadas pela Assembleia Geral da ONU aos 20 de dezembro de 1993 com a Resolução 48/96. As Regras Padrão são o primeiro instrumento internacional, não vinculativo para os países que o adoptam, que introduz o conceito de igualdade de oportunidade aplicado às pessoas com deficiências e constrói um sistema de monitorização nacional do respeito dos direitos humanos baseado exactamente na Regras padrão, nomeando um special rapporteur. Um instrumento de sensibilização sobre temáticas da deficiência são as décadas que as Nações Unidas anunciam nos diferentes continentes (ver a da Ásia-Pacífico 1993-2002, que foi renovada 2003-2012, aquela africana 2000-2009 e a da América do Sul 2006-1015). 2.2.2 As Agências das Nações Unidas e as pessoas com deficiências 2.2.2.1 OIT Mesmo a abordagem da Organização Internacional do Trabalho baseia-se nos princípios de igualdade das oportunidades, igual tratamento, não-discriminação e mainstreaming. Estes princípios são remarcados na Convenção OIT 159/1983 que refere-se à reabilitação profissional e à ocupação, acompanhada pela Recomendação 168/1983 sobre o mesmo tema e por outras Convenções da OIT sobre a igualdade das oportunidades. A própria OIT promoveu uma campanha sobre «decent work» para as pessoas com deficiências e aprovou, em 2002, um Código de boas práticas para a inclusão das pessoas com deficiências nos locais de trabalho. 2.2.2.2 OMS A Organização Mundial da Saúde ocupou-se de deficiência através de diversas secções ou unidades que se ocupam de específicas condições como a prevenção da cegueira e da surdez e saúde mental. Além destas unidades, a secção da Organização Mundial da Saúde (OMS) que se ocupa de deficiência ligada à reabilitação é a Unidade Deficiência e Reabilitação - DAR (Disability and Rehabilitation Unit). A unidade DAR enfoca as próprias actividades em cinco campos de acção: políticas sanitárias, saúde e reabilitação, Reabilitação de base Comunitária - RBC, auxílios e tecnologia apropriada, crescimento das capacidades entre o pessoal médico e os responsáveis das decisões políticas relativas à saúde e reabilitação. Os campos de acção da Unidade DAR reflectem a profunda mudança nas definições de saúde e reabilitação provocada pela Declaração de Alma Ata. O direito à participação activa à própria saúde para cada indivíduo e a responsabilidade de cada comunidade, são a base para a participação das pessoas com deficiências na tomada de decisões sobre a própria reabilitação. Muitas pessoas com deficiências não têm acesso nem ao sistema de saúde básico, e nem mesmo aos serviços específicos de reabilitação. Tanto na reabilitação médica quanto na reabilitação de base comunitária (Community-Based Rehabilitation - CBR), a Unidade DAR indica que os princípios da inclusão social são o fundamento de qualquer intervenção médica endereçada a estas pessoas. A erradicação do tratamento de residência institucional, o diagnóstico e a intervenção precoce básica dos tratamentos médicos de reabilitação, o envolvimento das comunidades nos percursos de inclusão social e de desenvolvimento, representam um ponto firme da sua estratégia de intervenção 2.2.2.3 UNESCO A UNESCO ocupou-se especificamente da educação das pessoas com deficiências através de uma abordagem baseada na educação inclusiva, que enfrenta as necessidades educativas de crianças, jovens e adultos com uma atenção específicas para quem está a risco de exclusão e marginalização. Já em 1960 a UNESCO havia adoptado uma Convenção contra as discriminações no campo da educação. A seguir os princípios da educação inclusiva foram adoptados nas Conferências mundiais sobre Educação com necessidades especiais: Access and Quality onde foi aprovada a Declaração de Salamanca (Espanha, 1994). A UNESCO dedica apósitos relatórios sobre a implementação das actividades de educação inclusiva. Além do mais, está a se actuar uma específica iniciativa: trata-se da Flagship «The Right to Education for Persons with Disabilities: Towards Inclusion», desenhada como instrumento para construir estratégias para desenvolver uma educação inclusiva de elevada qualidade. O assunto foi retomado tanto no Fórum mundial sobre educação (Dakar, Senegal, 2000), quanto na conferência sobre educação dos adultos (CONFINTEA, Bangkok, Tailândia, 2003), onde pela primeira vez foi dada uma atenção especial aos analfabetas com deficiências. Recentemente o Comité internacional de Bioética e Direitos Humanos aprovou a Declaração universal de Bioética e Direitos Humanos, na qual também foram discutidos temas ligados à tutela dos direitos humanos em conexão com as novas ciências bio-médicas, dando atenção também às pessoas com deficiências. Dentro da UNESCO trabalha uma Unidade especial sobre Educação Inclusiva. 2.2.2.4 UNICEF A UNICEF é o fundo da ONU que se ocupa da tutela dos direitos humanos das crianças e, portanto, também das crianças com deficiências. O instrumento internacional que tutela os direitos humanos dos menores com deficiências é a Convenção dos direitos da criança, à qual a UNICEF dedica o Innocenti Research Center. Esta Convenção, sublinhando no art. 2 o supremo interesse da criança, indica os princípios e as normas de tutela para garantir os direitos humanos de todos os menores. De modo especial o art. 23 dedica atenção às crianças com deficiências e à sua educação. 2.2.2.5 Outras agências Entre os outros órgãos internacionais que se ocupam de pessoas com deficiências lembramos a Organização dos Estados Americanos (OEA), que aprovou a Convenção Interamericana sobre a eliminação de qualquer forma de discriminação em relação às pessoas com deficiências (1999) e o Conselho da Europa, que tem um específico plano de acção sobre deficiência (2005). 2.3 Os conceitos fundamentais da abordagem baseada nos direitos humanos 2.3.1 O quadro cultural de referência A abordagem aos direitos humanos é uma revolução cultural na interpretação da condição das pessoas com deficiências. Essa mudança de perspectiva é um sistema conceptual que reconstrói a relação entre as características das pessoas e as modalidades com que a sociedade permite ou limita o acesso a direitos, bens e serviços e permite ou impede a plena participação na vida da sociedade. Essa nova visão baseia-se em alguns conceitos essenciais, que transformam a acção e a percepção dos governos e dos membros da sociedade em relação às pessoas com deficiências. 2.3.2 Os conceitos mais importantes 2.3.2.1 Deficiência A deficiência é uma relação social entre as características das pessoas e a maior ou menor capacidade da sociedade de considera-las. A deficiência não é uma condição subjectiva das pessoas, mas depende de factores ambientais e sociais e de factores individuais, como evidencia a CIF da OMS. A deficiência é uma condição que cada pessoa vive ao longo da própria vida (quando criança, quando idoso e por diversas condições) e pertence a todo o género humano. A deficiência. A deficiência é um conceito em evolução que necessita ser conjugado em relação às condições culturais e materiais de cada país (ver preâmbulo item e). Importante é associar este conceito com a definição de pessoas com deficiências na Convenção (art. 1). 2.3.2.2 Igualdade de oportunidades Por serem excluídas e segregadas as pessoas com deficiências não têm as mesmas oportunidades de escolha das demais pessoas. Igualdade de oportunidades, conforme as Regras Padrão, significa que «as necessidades de cada um e de todos os indivíduos têm igual importância», e «que estas necessidades devem se tornar a base para a planificação da sociedade», portanto «todos os recursos devem ser utilizados para garantir que cada indivíduo tenha as mesmas oportunidades de participação» na sociedade. 2.3.2.3 Acessibilidade e Universal design Para oferecer igualdade de oportunidades é necessário remover barreiras e obstáculos que impedem a plena participação social. Acessibilidade significa que todos devem ter acesso às «diferentes sociedades e aos diferentes ambientes, bem como aos serviços, às actividades, às informações e à documentação» (Regras Padrão). Visto que a deficiência pertence ao género humano a sociedade deve projectar e programar todas as suas actividades e políticas, incluindo todos os cidadãos. A abordagem que se baseia sobre o Universal design permite considerar as características de todas as pessoas de uma comunidade e de uma nação. Universal design “entende-se o projecto de produtos, estruturas, programas e serviços que podem ser utilizados por todas as pessoas, da forma mais ampla possível, sem necessidade de adaptações ou de projectos especializados. O “projecto universal ” não exclui dispositivos de apoio para grupos especiais de pessoas com deficiências, quando necessário ” (art. 2). 2.3.2.4 NÃO - DISCRIMINAÇÃO O modelo médico da deficiência criou abordagens e tratamentos diferentes em relação às demais pessoas, desenvolvendo soluções e intervenções que empobrecem as pessoas com deficiências e criam contínuas violações dos direitos humanos. Cada tratamento diferente sem justificação, de facto, configura-se como uma violação dos direitos humanos. «As pessoas com deficiências [...] têm o direito de permanecer em suas comunidades» e de «receber o apoio de que precisam dentro das ordinárias estruturas para a educação, a saúde, o empenho e os serviços sociais» (Regras Padrão). Para combater essa situação nasceram legislações anti-discriminatórias, que também tutelam as pessoas com deficiências, proibindo qualquer discriminação baseada na deficiência com um fundamento legal que prevê a remoção das condições de discriminação por meio de “ajustamentos razoáveis ” (art. 5). Alguns países introduziram legislações anti-discriminatórias a nível nacional (Estados Unidos, Austrália, Nova Zelanda, Canada, Reino Unido) e as Comunidades Europeias a nível regional. 2.3.2.5 Discriminação múltipla A discriminação afecta as pessoas com base em características sujeitas a tratamentos diferentes, preconceitos, obstáculos e barreiras que impedem a plena participação social. Quando características de género, de raça, de cultura, de religião, de opinião política, de idade, de condição de portador de deficiência somam-se e combinam-se entre si, produzem discriminação múltipla, tornando vulneráveis as pessoas com aquelas características. Típico exemplo é o das mulheres com deficiência, que são sujeitas a fortes limitações ao acesso a direitos, bens e serviços e à participação social. 2.3.2.6 Vida Independente Os obstáculos e as barreiras, os tratamentos diferentes, a imagem negativa que atingiu as pessoas com deficiências, em particular aquelas que não podem se autorepresentar ou que precisam de uma assistência complexa, criaram soluções de residência institucional. Na realidade estas pessoas têm os mesmos direitos humanos de todas as pessoas e devem ser apoiadas na aquisição de autonomia, autodeterminação, independência e interdependência. Por esta razão desenvolveu-se o movimento para a vida independente que, surgido nos Estados Unidos da América no final da década de ’60 do século passado, desenvolveu-se no mundo inteiro, através de uma filosofia própria e soluções apropriadas, como os centros para a vida independente, o assistente pessoal … 2.3.2.7 Empobrecimento social e empowerment A deficiência é causa e efeito de pobreza. O tratamento diferente ao qual são submetidas as pessoas com deficiência produziu, de facto, um empobrecimento social no que se refere ao acesso aos direitos, aos bens e aos serviços que se soma e, muitas vezes, se multiplica com a pobreza económica, num circuito negativo que leva à exclusão social. Por esta razão as pessoas com deficiências representam quase a metade dos pobres do mundo, pois mais de 80% delas vivem em países economicamente desfavorecidos (preâmbulo ponto t). Para quebrar este círculo perverso é necessário intervir tanto modificando a abordagem da sociedade em relação às pessoas com deficiência, quanto intervindo junto a estas últimas com acções de empowerment individual e social. A iniciativa global das Nações Unidas contra a pobreza, o Millennium Development Goals, deveria ser dirigida prioritariamente às pessoas com deficiência. 2.3.2.8 Inclusão Social Para transformar uma sociedade que exclui e discrimina é necessário encaminhar-se rumo à construção de sociedades inclusivas, nas quais cada um possa participar e dar a própria contribuição ao desenvolvimento da sociedade. O percurso que vai da exclusão à integração produz a presença, na sociedade, de pessoas com deficiências que se adaptam às regras já definidas pela comunidade que as recebe. A inclusão, ao contrário, é um processo que prevê que as pessoas incluídas tenham as mesmas oportunidades e poderes decisórios sobre como organizar a sociedade. A inclusão é um direito baseado na plena participação das pessoas com deficiências em todos os âmbitos da vida, numa base de igualdade em relação às demais pessoas, sem discriminações, respeitando a dignidade e valorizando a diversidade humana, através de intervenções apropriadas; superação de obstáculos e preconceitos; suportes baseados no mainstreaming. 2.3.2.9 Participação A construção de sociedades inclusivas implica que as pessoas excluídas sejam protagonistas do processo de inclusão, como peritos em relação ao modo como a sociedade deve tratá-las. Isto significa que as pessoas com deficiências devem estar presentes com as mesmas oportunidades dos outros membros da sociedade na tomada de decisão de todas as políticas, as acções e os programas que os interessam. A participação das pessoas com deficiências e das organizações que as representam é, portanto, uma metodologia/acção necessária, baseada no slogan/direito “Nada Sobre Nós Sem Nós”. 2.3.2.10 Desenvolvimento inclusivo As teorias do desenvolvimento económico consideram uma consequência necessária a criação de uma faixa de pessoas que resultam excluídas dos benefícios do desenvolvimento. Na realidade os mecanismos de desenvolvimento são muitas vezes ligados a condições de desvantagem e de falta de iguais oportunidades criadas pela própria sociedade. No caso das pessoas com deficiências esta condição resulta causada pelos mecanismos de discriminação e exclusão social que a Convenção das Nações Unidas tornou evidentes. Daí a exigência de promover um desenvolvimento inclusivo, que não produza mecanismos de empobrecimento social e económico mas garanta a todos os cidadãos o respeito dos seus direito humanos. 2.3.2.11 Diversidade humana A condição de deficiência é uma experiência que viveram, vivem e viverão todos os seres humanos. É portanto importante considerar a deficiência uma das características da diversidade humana. A história da visão cultural negativa e do tratamento que algumas características dos seres humanos sofreram nos séculos, produziu um estigma social negativo nas pessoas com deficiências, carregando aquelas características (e por reflexo todas as pessoas que as possuíam) de uma indesejabilidade social. É importante, portanto, incluir a condição de deficiência como uma das muitas diversidades que distinguem os seres humanos, recolocando a condição de deficiência entre as características ordinárias dos seres humanos e removendo o estigma social negativo. 2.4 A situação das pessoas com deficiência no país 2.4.1 Os elementos estatísticos disponíveis Salientar a importância das estatísticas inerentes à deficiência, que permitem conhecer e monitorizar o estado das acções, das políticas e das legislações de um país. Ilustrar, através dos dados disponíveis, publicações e relatórios, a condição das pessoas com deficiências no país, nas diferentes esferas de direitos. 2.4.2 As políticas nacionais sobre a deficiência Ilustrar, dentro de um estado, as políticas, as legislações e as acções para as pessoas com deficiências, evidenciar a agenda na qual se trabalha a nível nacional, explicitar as inter-relações com os conteúdos da Convenção . 2.4.3 Os elementos avaliados e os pedidos dos movimentos das pessoas com deficiências Fazer apresentar pela própria Organização das pessoas com deficiências as avaliações sobre as políticas nacionais e os pedidos prioritários por ela propostos.